Nesse artigo eu vou mostrar, com um exemplo, o passo a passo da modelagem e otimização de um processo usando algumas ferramentas do BPM. Se liga que tem informação valiosa aqui!
O Brown Paper
Em meados dos anos 90, quando
comecei na consultoria, a gente utilizava uma técnica chamada “Brown Paper”.
Era um negócio meio tosco, mas funcionava que era uma beleza. A técnica
consistia em colar algumas folhas de papel pardo (daí o nome “brown paper”) na
parede para mapear um processo. Cada envolvido no processo trazia seus
impressos (notas, requisições, correspondências, relatórios, etc.) e a gente ia
desenhando o fluxo no papel, colando os impressos. À medida que o fluxo ia
nascendo, ficava fácil - às vezes até óbvio - encontrar inconsistências,
redundâncias, relatórios que não eram lidos, atividades sem sentido, etc. O
brown paper permitia que todos os participantes do processo entendessem o
processo inteiro, e aí ficava mais fácil iniciar um trabalho de otimização.
Modelar, analisar e redesenhar um
processo utilizando as ferramentas do BPM têm semelhanças com o velho e bom brown
paper: Envolver as pessoas, ver o processo de forma gráfica, identificar falhas,
oportunidades de melhoria, montar um plano de ação e fazer o novo processo acontecer.
BPM – Business Process Management
O BPM vai muito além de revisar
processos. BPM envolve reorganizar toda a empresa por processos, de forma a
alcançar resultados alinhados com seu planejamento estratégico. Em outras
palavras... Projetos BPM começam de cima para baixo, identificando a cadeia de
valor da empresa, seus macro-processos, processos e sub-processos.
O objetivo desse meu artigo não é
detalhar esse ciclo todo, mas mostrar como trabalhar um único processo.
Nem sempre as empresas estão
dispostas a iniciar um grande projeto de BPM, dedicando tempo e esforço para
mapear tudo e deixando para o fim as otimizações dos seus processos. No mundo
real, o calo pode estar apertando num determinado processo, e é aí que a gente
precisa agir.
Lembre-se: Grandes esforços de
procedimentar tudo podem ser frustrantes, gerando uma documentação que custou
caro, não deu retorno e que vai ficar desatualizada. Na minha vida de consultor
eu vi esse filme algumas vezes.
Documentar
processos é importante, assim como otimizar
processos, e assim como criar mecanismos para garantir que os processos
sejam seguidos. Essas três coisas têm que andar juntas.
Dito isso, vamos imaginar uma
situação...
Preciso melhorar um processo!
Você foi convidado a conduzir ou
participar da melhoria de um processo. Você pode trabalhar numa empresa, ou ser
um consultor como eu. Por “n” motivos a empresa definiu que a melhoria desse
processo é uma prioridade. A necessidade de melhoria desse processo pode estar
no contexto de um projeto BPM, ou pode ser uma iniciativa isolada.
Nesse artigo vou usar como
exemplo um processo de compra de material de escritório. Esse processo se
inicia com a identificação da necessidade de compra, e termina com o pedido de
compras colocado.
Modelagem - O fluxo AS IS
Em geral, começamos mapeando o
processo atual, que chamamos “AS IS” (como é).
O mapeamento do processo atual
envolve realizar entrevistas, verificar procedimentos, entender regras de
negócio, ver na prática como as coisas realmente acontecem. Feito tudo isso,
você deve representar este processo utilizando a BPMN, Business Process
Modeling and Notation, ou seja, a notação do BPM. Existem outras notações,
mas a BPMN é considerada hoje a mais completa e popular do mercado.
A BPMN, se corretamente
utilizada, pode ser aplicada nos sistemas BPMS, Business Process Management
Suite (ou System), que são sistemas que monitoram e até operacionalizam a
execução dos processos.
Lembra da necessidade de garantir
que os processos sejam seguidos? É aí que pode entrar um BPMS. Mas isso é
assunto para um outro artigo.
De volta ao nosso processo...
O nosso fluxo de compra de
material de escritório AS IS ficou assim:
Calma, não precisa forçar a vista. Vou mostrar em detalhes.
Esse fluxo foi elaborado no
aplicativo Bizagi Modeler, versão gratuita. Vai lá em https://www.bizagi.com/pt e baixa o seu.
Do ponto de vista da notação, a
área de desenho do fluxo é composta de Pools (piscinas) e Lanes
(raias). No nosso exemplo, temos na parte de cima a piscina do Fornecedor, e abaixo
a piscina do nosso processo de compras AS IS, que por sua vez está dividida em
três raias: Administração, Compras e Diretoria. Com isso, todos os participantes
do processo estão representados.
O processo se inicia na Área
Administrativa com um evento, que no nosso caso é um evento temporal.
Semanalmente, um funcionário da área administrativa verifica o estoque de
material de escritório da empresa, e faz uma solicitação de compras. As caixas
em azul são tarefas, nomeadas com verbos no infinitivo – verificar,
redigir, etc.
A tarefa de redigir gera um objeto
de dados, que é a solicitação de compras. O fluxo segue pela seta com linha
cheia, e as setas pontilhadas mostram que o objeto de dados foi gerado numa
tarefa, e utilizado na tarefa seguinte.
A área de compras recebe a
solicitação (por e-mail). Com a solicitação em mãos, envia um pedido de cotação
para alguns fornecedores.
Aqui temos nosso primeiro “Handoff”,
ou seja, a passagem de uma informação ou material para outro participante do
processo. Handoffs são pontos críticos do processo, onde a informação pode
ter erros, onde o processo pode atrasar, onde os participantes do processo
podem desperdiçar seu valioso tempo.
Repare que a piscina do
fornecedor está vazia, sem processo. Na maioria das vezes não faz sentido
detalhar processos externos à nossa empresa. Quando isso acontece, a piscina é
chamada de black box (caixa preta). As setas pontilhadas que “conversam”
com a caixa preta são fluxos de mensagem.
Essas setas de ida e volta são
mais dois handoffs, que podem atrapalhar e atrasar o nosso processo.
O comprador recebe as cotações, e
só dá andamento no processo quando todas foram recebidas. Aquela setinha
circular dentro da atividade indica exatamente isso – a atividade fica em loop
até a condição “propostas recebidas” ser completamente atendida.
O comprador analisa as propostas
e escolhe a proposta vencedora. Depois anexa num e-mail e manda para a
Diretoria. Mais um handoff aqui...
Nesse momento a compra pode ser
autorizada ou não. Na BPMN o losango amarelo é um Gateway (portão), cujo
papel é dividir ou unir o fluxo.
Aqui cabe uma questão importante.
Na BPMN um gateway não é uma “decisão” como num fluxograma comum. Repare
que não existe pergunta. O gateway deste exemplo está condicionado ao que
acontece na tarefa anterior, “analisar proposta”. O resultado desta tarefa
define o caminho a ser seguido.
A compra não autorizada encerra o
processo, com um evento de final.
A compra autorizada é encaminhada
para o comprador por e-mail. E temos mais um handoff...
Nosso fluxo AS IS está chegando
ao fim. A proposta autorizada é enviada ao fornecedor, que por sua vez envia
uma confirmação de volta ao comprador. A compra está efetuada, o que está
simbolizado num evento de final.
A primeira coisa que se faz num
fluxo AS IS é a validação deste processo com os envolvidos. Bote o fluxo no
papel, junte a turma numa mesa e revise tudo.
Análise do Fluxo AS IS
Com o fluxo AS IS representando a
realidade do processo, damos início à etapa de análise.
De novo... bote o fluxo no papel,
junte a turma toda para identificar falhas e oportunidades de melhoria. Anote
tudo, rabisque o fluxo à vontade. Faça mais de uma rodada de análise se achar
necessário.
Importante: Esse é um dos
pontos críticos do processo.
Sabe aquela história do “-Quem
mexeu no meu queijo?”.
Mudar
processos mexe com poder,
com egos, gera inseguranças, pode criar disputas. Não vou me estender aqui, mas
volto a falar disso no final do artigo.
Vamos em frente...
Desenho – o Fluxo TO BE
A partir do processo de análise nasce um fluxo com melhorias
propostas, o fluxo “TO BE” (por ser).
O nosso fluxo de compra de material de escritório TO BE ficou
desta forma:
Numa rápida olhada, nosso fluxo TO BE ficou com menos
atividades e menos handoffs. As atividades em vermelho representam o que mudou.
Não é obrigatório fazer isso, mas ajuda no entendimento.
Neste fluxo, a compra com mais de um fornecedor foi
substituída pela negociação com um fornecedor único. Faz-se uma concorrência e
define-se um fornecedor que fará o atendimento por um determinado período, com
possibilidade de renovação. Os preços e regras de reajuste passam a ser
definidos em contrato, eliminando toda aquela burocracia de cotação e análise
de propostas a cada compra.
Dito isso, vamos aos detalhes do nosso fluxo TO BE.
O processo se inicia da mesma forma, com uma verificação
visual do material de escritório. Já a solicitação de compras passa a ser feita
no sistema.
Repare que o objeto de dados que simboliza a solicitação de
compras agora é um cilindro, representando dados que foram gravados num sistema
e que podem ser utilizados em outras partes do processo.
O comprador verifica diariamente as solicitações de compras
no sistema. Quando não tem solicitações novas, o processo é encerrado.
Quando existem solicitações novas, os materiais já têm seus
fornecedores definidos e preços negociados.
Recomendamos também a implantação, no sistema de gestão da
empresa, de um controle de alçadas de aprovação. Desta forma, se o valor da
compra estiver dentro da alçada do comprador, o processo segue direto para o
envio da autorização de entrega para o fornecedor.
Caso o valor da compra fique acima da alçada do comprador, o
processo é desviado para a aprovação pela diretoria.
O processo chega ao final com o envio da autorização de
entrega e o recebimento da confirmação do fornecedor.
Considerando uma compra dentro do limite de alçada do
comprador, o fluxo TO BE tem 5 atividades e 3 handoffs, contra 10 atividades e
7 handoffs do fluxo AS IS. Numa primeira análise, parece que fizemos um bom
trabalho.
Neste artigo mostramos alguns dos elementos da notação BPMN:
Piscinas, raias, eventos, tarefas, gateways, fluxos de mensagem, etc. Com o
tempo vou postando mais artigos sobre este tema.
Implementação
Nem precisa dizer que o fluxo TO BE tem que ser exaustivamente
validado.
Nosso redesenho de processo vai gerar três projetos:
- Concorrência e contratação de fornecedores em regime de compras em aberto.
- Implantação de solicitação de compras no sistema.
- Implantação de controle de alçadas no sistema.
Para implementar tem que ter toda a tratativa de projeto
aqui, com cronograma, responsáveis, etc.
Essa é a hora de fazer acontecer, e transformar o nosso fluxo
TO BE num novo fluxo AS IS devidamente implantado, que deve ser monitorado e
pode ter refinamentos, num ciclo contínuo de melhoria.
Na Prática...
Esse artigo ficou longo. Se você chegou até aqui, parabéns!
Pessoas como você se destacam, vão além. Me sinto lisonjeado em ter você como
leitor.
Vale destacar que existe um risco aqui. Você pode fazer todo
o processo de mapeamento e modelagem com a turma júnior. Monte uma equipe com analistas
de processos, disponibilize treinamento em BPM, e principalmente na
modelagem BPMN.
Mapear processos é a parte divertida. Em geral as pessoas
falam com orgulho do seu trabalho. Tem que ser criterioso para verificar se o
processo apresentado é o que realmente acontece, mas, via de regra, o analista
de processos se sai bem aqui.
Mas quando você abre um processo para analisar e redefinir,
os semblantes dos envolvidos já se alteram. A turma cruza o braço, fica na
defensiva...
Isso é normal. O ser humano é assim.
Para conduzir a análise e redesenho de um processo é preciso
ter “quilometragem”, tem que ter habilidade, tem que saber negociar, tem que
ter repertório de melhores práticas.
Se a empresa tem um gestor de processos, é importante ele
atuar aqui. O patrocinador do projeto também pode contribuir.
Consultores ajudam nessa hora, pois em teoria reúnem os
pré-requisitos necessários para o redesenho de processos: Quilometragem,
habilidade, repertório de melhores práticas.
Dito isso, estamos chegando ao final dessa nossa conversa sobre processos... De minha parte, fico feliz se esse artigo foi útil para você. Pesquise BPM, estude, tente colocar em prática. Peça ajuda se achar conveniente. Esse é o meu trabalho.
Toda, rigorosamente toda empresa tem processos para melhorar.
Encare isso como oportunidade.
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